Era um dia torpe. As nuvens nauseabundas se chocavam inconstantes em um céu apático. Movia-se uma brisa morna de um sol esmaecido em um dia indesejado. O tempo lento resistia inconformado. Caíram algumas lágrimas tímidas das entranhas de um firmamento envergonhado do silêncio que gritava – gotas de chuva fina e pouca.
Sai do carro, caminhei involuntariamente em uma calma artificial até o pátio da escola onde em meio ao perfume de flores puseram seu corpo sereno e imóvel. Fitei seu rosto emergido das flores tão singelamente distribuídas por mãos hábeis de carinho cujas pétalas afagavam sua paz doce e terna.
A mãe letárgica o ladeava em dor incomensurável. Não tive coragem de interferir. Mas meus olhos projetaram uma luz que emanava viva de sua face imolada vencendo a vilania de sua tortura covarde. Apenas a alegria e a simplicidade características de sua personalidade fluíam como uma névoa boa a me arrancar um sorriso mesmo de olhos intumescidos. Foi nesse momento que me apercebi da voz do silêncio.
Lembrei-me das brincadeiras, dos elogios, das piadas… Das gargalhadas a plenos pulmões que enchiam o mundo de festa e de vida e alegrava a todos em sua volta numa aura de felicidade e desejo de sua presença. Como se agorinha mesmo fosse, o vi passar em sua motocicleta, que, na maioria das vezes, carregava outra pessoa amiga em comum, e buzinar eufórico, ao me ver, vociferando amistosos recados a mim ou aos meus: “Dar um beijo nelas!” ou “Diga que estou mandando um abraço.”, se referindo as minhas esposa e filha bebê! E eu o sorria em reciprocidade respeitosa e fraterna.
Quantas vezes na escola, na praça, nas festas… No mundo – na vida – o vi rodeado sempre de pessoas amigas em comemoração permanente da amizade e do bem! Nunca escutei um desapreço ou uma ofensa em sua referência. Do contrário, apenas palavras elogiosas e amigas a seu respeito. Diante de tão ignominiosa violência até o silêncio não pôde se eximir de querer mudar sua natureza e bradar ao mundo a inadmissível brutalidade? Por isso a indagação corrosiva a me atacar os sentidos: quem seria capaz de tamanha atrocidade?
O silêncio primeiramente me sussurrou inconformado: “Não pode quem planta amor colher ódio!”. E, gradativamente, elevando a voz: “É inaceitável ser sentenciado à morte por semear vida!”, em seguida gritou a quase estourar meus tímpanos incrédulos: “Não podemos silenciar diante da barbárie, pois a injustiça vilipendia toda a humanidade!”.
Não culpe o silêncio pelos seus olhos cegos que não o traduzem. O silêncio é vilmente usado como arma dos covardes, dos lacaios, dos larápios, dos corruptos, dos bandidos, dos criminosos, pois nem sempre estamos atentos ao clamor dele – do silêncio. O silenciaram por acreditar que ele, o silêncio, seria cúmplice.
Mas o silêncio me segredou que pode ser traduzido por aqueles que não aceitam o mal. Por mentes inteligentes que se indignam com injustiças e sabem desmerecer vilões… Por quem semeia vida e paz.
O mais miserável dos homens é aquele que não tem ouvidos para o silêncio.
O mais miserável dos homens é aquele que não tem ouvidos para o silêncio.
Eu já desconfiava; mas, depois daquele dia, nunca mais acreditei no aspecto superficial do silêncio. Mais das vezes o silêncio pode ser ensurdecedor. Aprendi da forma mais angustiante possível o clamor que ele, o silêncio, é capaz de traduzir. O silenciaram, mas não a nós! Então, que em uníssono gritemos: JUSTIÇA!
O texto é uma homenagem póstuma à memória do professor Walyngre e um anseio da população por justiça que tentei traduzir nessa crônica minha.
Por: Adelson Santana de Oliveira
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